A alma por
trás de... Joana Machado
O salão de dança
ficou vazio. Um a um, os alunos, foram-se embora e deixaram-na sozinha… A sala
que há tão pouco tempo parecia pequena, especialmente com os alunos a
atropelarem-se uns aos outros, transformou-se num oceano de espelhos gigantes…
Um oceano que há momentos navegou como comandante e que agora a consome como
uma náufraga à deriva…
Olhou para o
espelho e abraçou-se em busca de um porto seguro. Ligou a música, fechou os
olhos, respirou fundo, abriu novamente os olhos e dançou. Voltou às origens com
um tango argentino, a sua dança de eleição antes de a Kizomba a ter escolhido,
e rodopiou pela sala com um sorriso nos lábios. Entrou na personagem de
dançarina e expressou-se através dos seus passos, das suas pausas, dos seus
movimentos. Expressou-se como só ela sabe… Sem dar conta a força da dança
apoderou-se do seu corpo e culminou com ela caída, em estilo, no chão… Com o
último tocar do “tambor”, Joana, atirou-se para o chão e deixou a força da
solidão apoderar-se de si. Quando acabava a música, quando acabava a dança... Era
assim… Sempre assim… Quando a música acabava a solidão assolava-se dela. Precisava de
se expressar, precisava da dança, era a sua gasolina, era a energia que a faz mover.
Levantou-se a
custo e pensou em ir para casa. Para quê? “Mais uma dança”, pensou para si e
colocou o rádio a tocar. O som da kizomba espalhou-se pelo salão… Joana
deixou-se estar parada e permitiu que o ritmo se apoderasse do seu corpo antes
de começar a dançar. Quando finalmente o ritmo e o bater do seu coração se
tornaram num só, deixou-se levar e começou… Mexendo as ancas com a sensualidade
que lhe é característica, elevando os braços e movimentando-os ao ritmo do
contrabaixo, movendo as pernas para frente e para trás, para um lado e para o
outro… A imagem no espelho era a de uma mulher sensual, confiante e segura de
si. A imagem no espelho era a de uma mulher forte e lutadora… A imagem no
espelho era a de uma dançarina profissional…
A imagem no
espelho era a da Joana do mundo. A Joana professora, a Joana colega… Por outro
lado, a imagem que carrega dentro de si… A imagem que carrega dentro de si é a
de uma mulher frágil, solitária, que carrega uma alma antiga com mil e uma
dores de outras vidas, que se consegue expressar apenas pela dança, pela
tradução… Sim, em tempos tirou um curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas na
Universidade Católica. Sempre sentiu a necessidade de se expressar, de juntar culturas
diferentes. Outrora fê-lo através da aprendizagem de novas línguas, hoje com a
dança. Tanto com a dança, como pela tradução, Joana sempre sentiu a necessidade
de fundir duas culturas. A fusão é o futuro… A aproximação das culturas e o fim
da diferença de valores era o futuro. Ao menos, sempre pensou assim, a fome da
sua alma era esta forma de pensar, a necessidade de unir o mundo a uma só voz, a
uma só dança.
Parou de dançar,
exausta, guardou o rádio e colocou tudo em ordem para a primeira aula do dia
seguinte. Olhou-se uma vez mais ao espelho e apagou as luzes. A caminho de
casa, enquanto conduzia, assustou-se com o próprio silêncio e ligou o rádio.
Cantou aos altos berros enquanto acompanhava o ritmo com os dedos a bater no
volante. Chegou a casa e a sua fiel companheira esperava-a à porta.
Abraçaram-se, brincaram juntas, levou-a a passear pelo quarteirão e voltaram
para casa. Comeu algo às pressas e foi-se deitar. A Onô deitou-se à beira da
cama e, Joana, pousou a cabeça sobre a almofada.
Sentiu um vazio
tão grande... O silêncio ensurdecedor... Ninguém com quem conversar e falar
sobre o seu dia... Sentia-se sozinha, mas a dança tinha-a escolhido a ela. Com
a profissão que tinha era difícil manter uma relação amorosa. Quem dança tem um
espírito livre e cedo quem se envolve com uma dançarina a tenta por numa
gaiola. Precisava de encontrar um homem que a amasse e percebesse o seu espírito
livre. Um homem que a permitisse voar... Precisava tanto de ser amada, mas
precisava ainda mais de dançar. Quem sabe um dia encontraria alguém que compreendesse
a sua alma e a permitisse voar ou voasse com ela. Quem sabe um dia os braços
que a abraçariam não seriam apenas os de um bailarino, aluno, colega ou os
dela? Quem sabe um dia encontraria alguém que iria entender que por trás da
forte bailarina se encontrava a frágil Joana? Tinha de se libertar desta fragilidade, tinha de aceitar a sua solidão
de uma forma tranquila e sem medo.
“Chega!”, gritou
para si e com este grito libertou os seus medos. Um dia pode ser que alguém a
abrace sem a necessidade de prendê-la, quem sabe? Se esse dia não chegar, que
não chegue! “Sou uma alma livre, a dança representa a minha vida. Esta sou eu.”
Sorriu para si mesma, e abraçou-se à almofada. A sua fiel companheira veio
deitar-se ao seu lado. Pela primeira vez durante muitos anos a solidão não a assombrou
durante a noite. Finalmente, libertou com aquele grito tudo que a impedia de
ser feliz. Quem a ame que a ame assim: o espírito livre que dança alegremente,
o pássaro que voa e que retorna sempre ao seu poiso, ao seu conforto, ao seu
lar... Um dia quem sabe alguém será forte suficiente para amá-la e a deixar
voar.
Adelaide Miranda, 18 de Julho 2016
Contactos
A professora de Kizomba está disponível para espétaculos, workshops, entrevistas, etc.
Pedro Baião da Costa (manager)
Uauuu 😍
ResponderEliminarObrigada!
EliminarBonito texto...
ResponderEliminarTal como uma onda que reconhece a sua praia.
Um Lobo reconhece a sua amada!