As portas da alfândega fecharam-se. Paulo olhou
para trás com um misto de tristeza e insegurança nos olhos. Depois de tantos
anos de esforço, a libertação das fronteiras ditou o seu destino. Não havia
necessidade para tantos funcionários e com a, praticamente, livre circulação de
bens e pessoas perdeu o emprego.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem,
estávamos aqui a chorar baba e ranho. – Disse a si mesmo enquanto colocava a
sacola às costas. Virou-se, seguiu em frente e nunca mais olhou para trás.
Sentou-se à mesa da cozinha, com vários jornais
espalhados e abertos na página dos classificados, e começou a escolher
possíveis trabalhos. Seleccionou vários e foi à luta.
Emigrou, trabalhou nas obras, foi comercial...
Enfim, fez o que achou necessário para levar o sustento para a sua família. Com
o passar dos anos e apesar das dificuldades, sempre lutou contra as
adversidades com um sorriso nos lábios.
- Oh Paulo, com tantas reviravoltas e incertezas
como consegues estar sempre a sorrir?- Perguntavam os amigos e os mais
chegados.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem, estávamos
aqui a chorar baba e ranho. – Respondia sempre com um sorriso nos lábios.
Aos 43 anos, decidiu voltar a estudar. Chamaram-no
louco, mas ele louco não era. Era sonhador e lutador. Sempre o foi, tanto que
terminou a licenciatura em Sociologia e Planeamento com distinção. Ganhou um
prémio académico e sem dar conta caiu de paraquedas no departamento de Investigação.
Infelizmente, porque um lutador deve sempre ter
adversários para defrontar, Paulo deparou-se com uma doença. Uma vez mais,
lutou, esbracejou, seguiu em frente...
- Então Paulo, do que te ris? Com tantos problemas
que tens, do que te ris? Estás louco? – Perguntavam os amigos mais chegados.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem, estávamos
aqui a chorar baba e ranho. – Respondia sempre com um sorriso nos lábios.
Ganhou a luta contra a doença, Paulo era um
lutador difícil de derrotar e uma vez mais seguiu a sua vida, com sorriso
característico nos lábios. Afinal, os desafios que encontrou pela frente apenas
serviram para torná-lo mais forte. Ultrapassada a doença e de volta a rotina,
Paulo procurou um novo desafio. Com gotas de suor a escorrerem pela fronte,
lutou com o computador em busca de uma palavra passe. Lembrou-se do blogue que
tinha iniciado anos antes de adoecer, mas não conseguia
aceder. Fez mil tentativas, e quando já estava prestes a desistir lembrou-se da
sua marca de tabaco favorita, a Amberliz, que começou a enrolar no tempo das
poupanças, e como que num acto de magia, qual Gruta do Ali Babá, acedeu ao
blogue.
Os primeiros capítulos do Herdeiro de Antioquia lá
estavam e, finalmente voltou a escrever. Escrevia nos seus tempos livres, no
meio das suas batalhas, e lentamente o livro ganhou forma. Ganhou coragem para
publicar e surpreendeu-se com a receptividade. Afinal, o Paulo, sociólogo e
investigador, era também escritor.
Por vezes, olhando as estrelas, relembrava a sua
vida, as batalhas travadas e vencidas. Apesar de nem sempre ter tomado as
decisões corretas, não tinha arrependimentos. A sua vida era o que era e todos
os momentos que viveu e decisões que tomou tornaram-no quem era e levaram-no
precisamente àquele lugar. Uma a uma, lembrava-se de todas as pessoas que
tinham até então passado em sua vida e sorria com carinho ao recordar algumas
que manteve em segredo. A descrição valeu-lhe mil aventuras vividas, mas nunca
contadas.
A dimensão do céu, trazia-lhe sempre a certeza de
que o mundo era incerto. Não sabia que luta o esperava no futuro, mas isso não
o deixava inquieto. Viesse o que viesse iria defrontar destemidamente como
sempre o tinha feito. Afinal de contas, tristezas não pagam dívidas e se
pagassem...
Adelaide Miranda, 13/08/2016
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