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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A alma por trás de... Annia


A Alma Por Trás de... Annia





Não tinha noção de há quanto tempo estava fechada naquela torre. A única porta trancada por fora e a única janela alta demais para poder saltar. No início ainda tentou persuadir as aias que lhe traziam a comida e que lhe davam o banho a deixá-la sair…
- Por favor. Deixem-me sair. – Pedia delicadamente.
- Sabe que não podemos, menina Tânia.
- Por favor. Peço-vos.
- Não podemos, menina. É contra as nossas ordens. E, além disso, quer sair para quê? Aqui tem tudo, menina.
- Quero ir ver o mundo… Preciso ver o mundo…
O tempo passou e aos poucos, incrivelmente, foi-se habituando àquele espaço. Na realidade já mal se lembrava do mundo.
- Sair para quê? - Disse em voz alta. – Ouvi dizer que lá fora o mundo é cruel… A aia bem me disse que mesmo que eu saísse mal saberia defender-me. Sair para quê?
As horas, os dias, os anos passaram e embora a rotina do seu pequeno mundo não a incomodasse durante o dia, durante a noite tinha pesadelos. Alguma coisa a inquietava. Por breves momentos perguntava-se onde foi que perdera a força para lutar por si mesma. Não lhe faltava nada naquele pequeno mundo, mas por vezes sentia que lhe faltava tudo. Os pesadelos começavam sempre com ela à beira da janela a preparar-se para saltar e terminavam com o seu corpo inanimado no chão. Contudo, por mais estranho que parecesse o pequeno espaço de tempo em que se deixava cair sabia a liberdade. O coração pulava de excitação por saborear aquele momento em que livre voava ao encontro do chão… Acordava a tremer e falava para si mesma:
- Saltar para quê?
Certa noite acordou com uma voz suave que a chamava:
- Tânia. Acorda, Tânia.
- Uhm… O quê? – abriu os olhos com receio, pois não reconheceu a voz.
- Anda comigo, Tânia. Vamos sair daqui.
- Sair? Sair para quê? O mundo… esse mundo… Não me saberei defender.
- Não te preocupes com isso. Estou aqui para cuidar de ti e nunca te irei abandonar.
- Mas quem és tu? O que queres de mim?
- Vim libertar-te, Tânia.
- Não, não pode ser. Disseram-me que só poderia sair quando o príncipe me viesse resgatar. E tu não és um príncipe. Tu és uma menina…
- Anda Tânia, o tempo está a passar.
- Como entraste aqui?
- Anda, Tânia. Confia em mim.
Olhou para a rapariga que estava ao seu lado, o seu rosto… O seu rosto não lhe parecia estranho. Olhou no fundo dos seus olhos e sentiu que podia confiar. Aceitou a mão que esta lhe estendia e levantou-se. Aproximaram-se da porta e a misteriosa salvadora encostou-se à fechadura e cantou uma breve melodia. A porta abriu-se e Tânia olhou para ela incrédula.
- Como fizeste isso? Estes anos todos bastava-me cantar para abrir a porta?
- A música liberta-te, Tânia. Como é que te esqueceste disso? Agora vamos, o tempo urge.
Saíram do pequeno quarto e desceram as escadas, em caracol, quase que infinitas até chegarem a uma grande porta de madeira. Nesse instante, parou.
- Espera… As minhas aias… As minhas amigas? Nunca mais as vou ver?
- As tuas amigas? Tuas amigas?
- Sim… Fizeram-me tanta companhia durante este tempo todo. Vou sentir saudades delas…
- Tuas amigas? Libertaram-te? Mantinham-te aqui presa, tuas amigas?
- Sim… Elas não podiam…
- Não podiam? Nunca houve uma oportunidade? Ou apenas quiseram guardar-te só para elas e não te queriam partilhar com o mundo?
- O mundo? O mundo é escuro… Disseram-me. Tenho medo do mundo, não saberia defender-me.
- Tânia, o mundo é escuro mas também é claro… E tu podes aprender a defender-te do escuro e a apreciar o claro… Agora vamos que o tempo urge…
Com algum receio, Tânia respirou fundo e deixou-se levar por esta rapariga misteriosa. Decidiu continuar a confiar nela, apesar de ter medo do que lhe esperava lá fora.
Antes de abrir a porta, a salvadora, desembrenhou a espada e preparou-se. Tinha de defendê-las caso fosse necessário. Assim que a porta se abriu correram as duas em direcção à floresta. Apesar do medo, Tânia sorriu com a sensação do vento a passar-lhe pelo rosto. Já não sabia o que era correr. Tinha-se esquecido de como era bom.
Caminharam durante horas a fio e pelo caminho a misteriosa rapariga enfrentou os guardas que foram aparecendo para tentar resgatá-la de volta para a torre. Tânia olhava para ela e admirava a sua coragem, a sua ferocidade, a sua força… Com o passar das horas os guardas deixaram de aparecer e começou a sentir-se em segurança.
- Acho que desistiram de me resgatar. – Disse enquanto descansavam numa clareira.
- Quem sabe? Mas temos de estar sempre preparadas, alertas. Até estarmos em segurança…
- Sim, compreendo. Posso pedir-te uma coisa?
- Ensinas-me a cantar? Aquela música que disseste que me libertava…
- Tânia, sei que não te lembras de mim, mas nós já estivemos juntas muito antes de ires para aquela torre. Na realidade quem me ensinou a cantar foste tu.
- Eu? Sim, tu. Quando ainda não sabias o que era o mundo… Agora vamos… O lugar seguro está perto. Aí poderemos falar.
Seguiram viagem e Tânia questionava-se sobre esta nova amiga. Uma rapariga que apareceu do nada para salvá-la. Onde esteve estes anos todos? Porque não veio antes se era tão sua amiga?
Chegaram a uma clareira e a rapariga parou.
- Finalmente. Aqui já ninguém nos poderá alcançar.
- Obrigada, por me teres salvo… Obrigada por me trazeres de volta ao mundo… Obrigada por me defenderes…
- Eu nasci para te defender. Há muitos anos atrás quando não tinhas medo do mundo estávamos sempre juntas… Éramos como uma só… Eu existo porque tu existes…
- Como assim? De onde vens tu?
- De dentro de ti…
- De dentro de mim? Quem és tu?
- Tânia, olha bem para mim. Lembra-te de mim. Eu existo porque tu existes…
- Porque é que não vieste antes?
- Eu vim quando tu chamaste por mim...
- Eu? Chamei por ti... Como assim? Quando?
- Há umas noites atrás... Senti-te por breves instantes a sentir o mundo. Senti-te a saborear a liberdade e chamaste por mim.
- Como se não sei quem tu és… Não sei sequer como te chamas...
- Oh Tânia, eu? Eu sou parte de ti. Eu sou a Annia…
Adelaide Miranda, 21 de Setembro 2016
Contactos para entrevistas e espetáculos:
Facebook.com/anniaofficial





sexta-feira, 16 de setembro de 2016

The soul behind... DJB

The soul behind...


"As soon as the music started he runs to his mother ... He hugged her legs with his puny arms, and put his feet on top of them. Step by step, he learned to dance clinging to his mother's skirts ... “

From all the memories he had from a distant time in Angola, this was undoubtedly the most striking. He closed his eyes and he could transport himself to that same yard and see his mother's features. The mother that he has not seen since the age of fourteen, when he left for Portugal, and that he would never see again unless there is such a thing as an afterlife. His mother that at the same time is the source of his pain, due to missing her so much, and the source of his energy. She will forever remain the force that keeps him going.

Give up? Never! He knows he needs to become the man that is mother wanted him to be. With her, he learned to love music and as long as he lives this love will never end. The love for music merged with the love for his mother. It merged with the memories of those hot afternoons when they danced together in the yard… It merged with the memories of the nights she sang to him until he fell asleep… It merged with the melody of her voice that he still carries in his heart... Mother... His Mother... His music... His strength...

The time in Portugal was brief. It is impressive how in a lifetime a couple of years feel like half an hour in one day. Brief ... The move to England was due to the unique desire to follow his dreams. The future? Music, no doubt. Being a DJ was much more than playing some songs at a party. Being a DJ meant and means, at least for him, respecting the music, knowing it, mastering it… The graduated as a Sound Engineer with a lot of hard work but it wasn’t on him to give up. He had to do it could not be otherwise. In order to make a living from music one has to know where it comes from, acknowledge its vibration, its changes of direction...

For years, known as DJ UK, he animated African nights in England. With headphones in his ears, and his feet setting the pace and following the rhythm, he rejoiced watching the audience vibrate with his music selections. It always felt like his mother was there amongst the crowd, vibrating and cheering...

As he accomplished his dreams, one by one, more would follow. His company "Não Custa Nada", which started from a joke with friends, promotes music, artists and events. As with everything, with experience come maturity and the need to accept that. He decided to drop his “artist name” and goo by the name his mother gave him. People should know him for who he really was. What is the need to change the name that defines him? What is the need to create an image based on the public that he entertains? DJ UK? No... Domingos Jorge Bartholomeu, his family name, a blessed name given by his mother...

When he first put on paper the acronym of his name, he couldn’t avoid smiling at the coincidence: DJB. For as much as he wanted to separate himself from the acronym for "Deejay" it seems naturally impossible. Coincidence or destiny? This question only in another life his mother could respond. DJB yesterday, today and forever.

The next step? Music, no doubt. Now DJB is aiming to become a music producer and is more than one hundred per cent dedicated to his new project "Me Suja" knowing that soon more will come. Never afraid of the future because he knows what the future brings: Music and the smile of his mother ... Today, a fighter and a father, DJB feels blessed. He is certain that the feet that have managed to teach him his first dance steps, when he didn’t not even know how to walk, will always give him the support to move forward. Either in the form of a kiss of his children, a hug, a kind word, a song ... Those same feet that assumed so many different forms throughout his life will always be there or of that he is sure.

In the form of a melody his guardian angel embraces him it until the day, in another life, that he will be able to stretch his arms, once again, hold her  and carefully place his feet on top of hers and dance, in that same yard in the suburbs of Angola, dance , dance…

 
Adelaide Miranda, September 2016
 
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A alma por trás de... DJB

 
“Assim que a música começou foi a correr ter com a mãe… Abraçou as pernas dela, com os seus braços franzinos, e colocou os pés em cima dos dela. Passo a passo, aprendeu a dançar agarrado às saias da mãe…”.

Das memórias que tinha dos tempos de Angola, essa era sem dúvida a mais marcante. Fechava os olhos, revia-se naquele quintal e relembrava as feições da mãe que não via desde que, aos catorze anos, partiu para Portugal. Não via e por ironia do destino nunca mais iria ver. Quem sabe um dia, se existisse vida após a morte, voltaria a abraçar a mãe que tanta falta lhe fez e que surpreendentemente era a força que o fazia continuar. Desistir? Nunca! Devia à mãe tornar-se no homem que ela sempre sonhou.
Com a mãe aprendeu a amar a música e enquanto for vivo esse amor nunca irá terminar. O amor pela música fundiu-se com o amor pela mãe. Fundiu-se naquelas tardes quentes em que dançavam juntos no quintal, fundiu-se com as memórias das noites em que ela cantava para ele adormecer, fundiu-se com a melodia da sua voz que ele carrega no peito… Mãe… A sua mãe… A sua música… A sua força…

A passagem por Portugal foi breve. Alguns anos de uma vida inteira parecem como que meia hora num dia. Breves… A mudança para Inglaterra deveu-se à vontade única de seguir os seus sonhos, como a mãe sempre o motivara. O futuro? A música, sem dúvida. Ser DJ era mais do que tocar umas músicas numa festa. Ser DJ significava e significa respeitar a música, conhecê-la, masterizá-la. O curso de Engenheiro de Som foi tirado a custo, entre estudos e trabalhos, mas não podia ser de outra maneira. Para se viver da música tem que se conhecer de onde ela vem, reconhecer a sua vibração, os seus ricochetes e mudanças de direcção…

Vive da música. Durante anos, conhecido como DJ UK, animou as noites africanas. Com auscultadores nos ouvidos e o pé a marcar o passo sentia-se realizado ao ver o público a vibrar com as suas seleções de música, com as suas passagens de mestre. Sentia que a mãe vibrava junto com a multidão…

À medida que foi concretizando os sonhos, um a um, outros foram crescendo. A empresa “Não Custa Nada”, que surgiu de uma brincadeira com amigos, promove música, artistas e eventos. Com a experiência surge a maturidade e a necessidade de se afirmar surgiu e como tal decidiu assumir o seu nome. Qual a necessidade de alterar o nome que o define? Qual a necessidade de criar uma imagem baseada no público que entretém? DJ UK? Não… Domingos Jorge Bartolomeu. Nome de família, nome abençoado dado pela sua mãe…

Quando pela primeira vez colocou em papel a sigla do seu nome, sorriu com a coincidência: DJB. Por mais que queira separar-se da sigla de “deejay” o próprio nome não o permite. Coincidência ou Destino? Essa pergunta só numa outra vida a sua mãe poderá responder. DJB, ontem, hoje e para sempre.

O próximo passo? A música, sem dúvida. Caminha agora para as malhas da produção. Dedica-se ao Projeto “Me Suja” e sabe que mais virão. Não tem medo do futuro porque sabe o que o futuro lhe traz: Música e o sorriso da sua mãe… Hoje, um lutador e pai de família, DJB sente-se abençoado. Sabe que os pés que controlaram os seus primeiros passos de dança, quando ainda não sabia andar, irão dar-lhe sempre o apoio que necessita. Na forma de um beijo dos seus filhos, de uma palavra amiga, de uma música… Aqueles mesmos pés ganharam as formas que tiveram que ganhar para ampará-lo. Na melodia da música, a sua protetora abraça-o até o dia em que numa outra vida em que voltará a esticar os braços para abraçá-la, poisar cuidadosamente os pés sobre os dela e girar, naquele mesmo quintal, girar, girar… 

 
 Adelaide Miranda, Setembro 2016
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