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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A alma por trás de... Annia


A Alma Por Trás de... Annia





Não tinha noção de há quanto tempo estava fechada naquela torre. A única porta trancada por fora e a única janela alta demais para poder saltar. No início ainda tentou persuadir as aias que lhe traziam a comida e que lhe davam o banho a deixá-la sair…
- Por favor. Deixem-me sair. – Pedia delicadamente.
- Sabe que não podemos, menina Tânia.
- Por favor. Peço-vos.
- Não podemos, menina. É contra as nossas ordens. E, além disso, quer sair para quê? Aqui tem tudo, menina.
- Quero ir ver o mundo… Preciso ver o mundo…
O tempo passou e aos poucos, incrivelmente, foi-se habituando àquele espaço. Na realidade já mal se lembrava do mundo.
- Sair para quê? - Disse em voz alta. – Ouvi dizer que lá fora o mundo é cruel… A aia bem me disse que mesmo que eu saísse mal saberia defender-me. Sair para quê?
As horas, os dias, os anos passaram e embora a rotina do seu pequeno mundo não a incomodasse durante o dia, durante a noite tinha pesadelos. Alguma coisa a inquietava. Por breves momentos perguntava-se onde foi que perdera a força para lutar por si mesma. Não lhe faltava nada naquele pequeno mundo, mas por vezes sentia que lhe faltava tudo. Os pesadelos começavam sempre com ela à beira da janela a preparar-se para saltar e terminavam com o seu corpo inanimado no chão. Contudo, por mais estranho que parecesse o pequeno espaço de tempo em que se deixava cair sabia a liberdade. O coração pulava de excitação por saborear aquele momento em que livre voava ao encontro do chão… Acordava a tremer e falava para si mesma:
- Saltar para quê?
Certa noite acordou com uma voz suave que a chamava:
- Tânia. Acorda, Tânia.
- Uhm… O quê? – abriu os olhos com receio, pois não reconheceu a voz.
- Anda comigo, Tânia. Vamos sair daqui.
- Sair? Sair para quê? O mundo… esse mundo… Não me saberei defender.
- Não te preocupes com isso. Estou aqui para cuidar de ti e nunca te irei abandonar.
- Mas quem és tu? O que queres de mim?
- Vim libertar-te, Tânia.
- Não, não pode ser. Disseram-me que só poderia sair quando o príncipe me viesse resgatar. E tu não és um príncipe. Tu és uma menina…
- Anda Tânia, o tempo está a passar.
- Como entraste aqui?
- Anda, Tânia. Confia em mim.
Olhou para a rapariga que estava ao seu lado, o seu rosto… O seu rosto não lhe parecia estranho. Olhou no fundo dos seus olhos e sentiu que podia confiar. Aceitou a mão que esta lhe estendia e levantou-se. Aproximaram-se da porta e a misteriosa salvadora encostou-se à fechadura e cantou uma breve melodia. A porta abriu-se e Tânia olhou para ela incrédula.
- Como fizeste isso? Estes anos todos bastava-me cantar para abrir a porta?
- A música liberta-te, Tânia. Como é que te esqueceste disso? Agora vamos, o tempo urge.
Saíram do pequeno quarto e desceram as escadas, em caracol, quase que infinitas até chegarem a uma grande porta de madeira. Nesse instante, parou.
- Espera… As minhas aias… As minhas amigas? Nunca mais as vou ver?
- As tuas amigas? Tuas amigas?
- Sim… Fizeram-me tanta companhia durante este tempo todo. Vou sentir saudades delas…
- Tuas amigas? Libertaram-te? Mantinham-te aqui presa, tuas amigas?
- Sim… Elas não podiam…
- Não podiam? Nunca houve uma oportunidade? Ou apenas quiseram guardar-te só para elas e não te queriam partilhar com o mundo?
- O mundo? O mundo é escuro… Disseram-me. Tenho medo do mundo, não saberia defender-me.
- Tânia, o mundo é escuro mas também é claro… E tu podes aprender a defender-te do escuro e a apreciar o claro… Agora vamos que o tempo urge…
Com algum receio, Tânia respirou fundo e deixou-se levar por esta rapariga misteriosa. Decidiu continuar a confiar nela, apesar de ter medo do que lhe esperava lá fora.
Antes de abrir a porta, a salvadora, desembrenhou a espada e preparou-se. Tinha de defendê-las caso fosse necessário. Assim que a porta se abriu correram as duas em direcção à floresta. Apesar do medo, Tânia sorriu com a sensação do vento a passar-lhe pelo rosto. Já não sabia o que era correr. Tinha-se esquecido de como era bom.
Caminharam durante horas a fio e pelo caminho a misteriosa rapariga enfrentou os guardas que foram aparecendo para tentar resgatá-la de volta para a torre. Tânia olhava para ela e admirava a sua coragem, a sua ferocidade, a sua força… Com o passar das horas os guardas deixaram de aparecer e começou a sentir-se em segurança.
- Acho que desistiram de me resgatar. – Disse enquanto descansavam numa clareira.
- Quem sabe? Mas temos de estar sempre preparadas, alertas. Até estarmos em segurança…
- Sim, compreendo. Posso pedir-te uma coisa?
- Ensinas-me a cantar? Aquela música que disseste que me libertava…
- Tânia, sei que não te lembras de mim, mas nós já estivemos juntas muito antes de ires para aquela torre. Na realidade quem me ensinou a cantar foste tu.
- Eu? Sim, tu. Quando ainda não sabias o que era o mundo… Agora vamos… O lugar seguro está perto. Aí poderemos falar.
Seguiram viagem e Tânia questionava-se sobre esta nova amiga. Uma rapariga que apareceu do nada para salvá-la. Onde esteve estes anos todos? Porque não veio antes se era tão sua amiga?
Chegaram a uma clareira e a rapariga parou.
- Finalmente. Aqui já ninguém nos poderá alcançar.
- Obrigada, por me teres salvo… Obrigada por me trazeres de volta ao mundo… Obrigada por me defenderes…
- Eu nasci para te defender. Há muitos anos atrás quando não tinhas medo do mundo estávamos sempre juntas… Éramos como uma só… Eu existo porque tu existes…
- Como assim? De onde vens tu?
- De dentro de ti…
- De dentro de mim? Quem és tu?
- Tânia, olha bem para mim. Lembra-te de mim. Eu existo porque tu existes…
- Porque é que não vieste antes?
- Eu vim quando tu chamaste por mim...
- Eu? Chamei por ti... Como assim? Quando?
- Há umas noites atrás... Senti-te por breves instantes a sentir o mundo. Senti-te a saborear a liberdade e chamaste por mim.
- Como se não sei quem tu és… Não sei sequer como te chamas...
- Oh Tânia, eu? Eu sou parte de ti. Eu sou a Annia…
Adelaide Miranda, 21 de Setembro 2016
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Facebook.com/anniaofficial





sexta-feira, 16 de setembro de 2016

The soul behind... DJB

The soul behind...


"As soon as the music started he runs to his mother ... He hugged her legs with his puny arms, and put his feet on top of them. Step by step, he learned to dance clinging to his mother's skirts ... “

From all the memories he had from a distant time in Angola, this was undoubtedly the most striking. He closed his eyes and he could transport himself to that same yard and see his mother's features. The mother that he has not seen since the age of fourteen, when he left for Portugal, and that he would never see again unless there is such a thing as an afterlife. His mother that at the same time is the source of his pain, due to missing her so much, and the source of his energy. She will forever remain the force that keeps him going.

Give up? Never! He knows he needs to become the man that is mother wanted him to be. With her, he learned to love music and as long as he lives this love will never end. The love for music merged with the love for his mother. It merged with the memories of those hot afternoons when they danced together in the yard… It merged with the memories of the nights she sang to him until he fell asleep… It merged with the melody of her voice that he still carries in his heart... Mother... His Mother... His music... His strength...

The time in Portugal was brief. It is impressive how in a lifetime a couple of years feel like half an hour in one day. Brief ... The move to England was due to the unique desire to follow his dreams. The future? Music, no doubt. Being a DJ was much more than playing some songs at a party. Being a DJ meant and means, at least for him, respecting the music, knowing it, mastering it… The graduated as a Sound Engineer with a lot of hard work but it wasn’t on him to give up. He had to do it could not be otherwise. In order to make a living from music one has to know where it comes from, acknowledge its vibration, its changes of direction...

For years, known as DJ UK, he animated African nights in England. With headphones in his ears, and his feet setting the pace and following the rhythm, he rejoiced watching the audience vibrate with his music selections. It always felt like his mother was there amongst the crowd, vibrating and cheering...

As he accomplished his dreams, one by one, more would follow. His company "Não Custa Nada", which started from a joke with friends, promotes music, artists and events. As with everything, with experience come maturity and the need to accept that. He decided to drop his “artist name” and goo by the name his mother gave him. People should know him for who he really was. What is the need to change the name that defines him? What is the need to create an image based on the public that he entertains? DJ UK? No... Domingos Jorge Bartholomeu, his family name, a blessed name given by his mother...

When he first put on paper the acronym of his name, he couldn’t avoid smiling at the coincidence: DJB. For as much as he wanted to separate himself from the acronym for "Deejay" it seems naturally impossible. Coincidence or destiny? This question only in another life his mother could respond. DJB yesterday, today and forever.

The next step? Music, no doubt. Now DJB is aiming to become a music producer and is more than one hundred per cent dedicated to his new project "Me Suja" knowing that soon more will come. Never afraid of the future because he knows what the future brings: Music and the smile of his mother ... Today, a fighter and a father, DJB feels blessed. He is certain that the feet that have managed to teach him his first dance steps, when he didn’t not even know how to walk, will always give him the support to move forward. Either in the form of a kiss of his children, a hug, a kind word, a song ... Those same feet that assumed so many different forms throughout his life will always be there or of that he is sure.

In the form of a melody his guardian angel embraces him it until the day, in another life, that he will be able to stretch his arms, once again, hold her  and carefully place his feet on top of hers and dance, in that same yard in the suburbs of Angola, dance , dance…

 
Adelaide Miranda, September 2016
 
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A alma por trás de... DJB

 
“Assim que a música começou foi a correr ter com a mãe… Abraçou as pernas dela, com os seus braços franzinos, e colocou os pés em cima dos dela. Passo a passo, aprendeu a dançar agarrado às saias da mãe…”.

Das memórias que tinha dos tempos de Angola, essa era sem dúvida a mais marcante. Fechava os olhos, revia-se naquele quintal e relembrava as feições da mãe que não via desde que, aos catorze anos, partiu para Portugal. Não via e por ironia do destino nunca mais iria ver. Quem sabe um dia, se existisse vida após a morte, voltaria a abraçar a mãe que tanta falta lhe fez e que surpreendentemente era a força que o fazia continuar. Desistir? Nunca! Devia à mãe tornar-se no homem que ela sempre sonhou.
Com a mãe aprendeu a amar a música e enquanto for vivo esse amor nunca irá terminar. O amor pela música fundiu-se com o amor pela mãe. Fundiu-se naquelas tardes quentes em que dançavam juntos no quintal, fundiu-se com as memórias das noites em que ela cantava para ele adormecer, fundiu-se com a melodia da sua voz que ele carrega no peito… Mãe… A sua mãe… A sua música… A sua força…

A passagem por Portugal foi breve. Alguns anos de uma vida inteira parecem como que meia hora num dia. Breves… A mudança para Inglaterra deveu-se à vontade única de seguir os seus sonhos, como a mãe sempre o motivara. O futuro? A música, sem dúvida. Ser DJ era mais do que tocar umas músicas numa festa. Ser DJ significava e significa respeitar a música, conhecê-la, masterizá-la. O curso de Engenheiro de Som foi tirado a custo, entre estudos e trabalhos, mas não podia ser de outra maneira. Para se viver da música tem que se conhecer de onde ela vem, reconhecer a sua vibração, os seus ricochetes e mudanças de direcção…

Vive da música. Durante anos, conhecido como DJ UK, animou as noites africanas. Com auscultadores nos ouvidos e o pé a marcar o passo sentia-se realizado ao ver o público a vibrar com as suas seleções de música, com as suas passagens de mestre. Sentia que a mãe vibrava junto com a multidão…

À medida que foi concretizando os sonhos, um a um, outros foram crescendo. A empresa “Não Custa Nada”, que surgiu de uma brincadeira com amigos, promove música, artistas e eventos. Com a experiência surge a maturidade e a necessidade de se afirmar surgiu e como tal decidiu assumir o seu nome. Qual a necessidade de alterar o nome que o define? Qual a necessidade de criar uma imagem baseada no público que entretém? DJ UK? Não… Domingos Jorge Bartolomeu. Nome de família, nome abençoado dado pela sua mãe…

Quando pela primeira vez colocou em papel a sigla do seu nome, sorriu com a coincidência: DJB. Por mais que queira separar-se da sigla de “deejay” o próprio nome não o permite. Coincidência ou Destino? Essa pergunta só numa outra vida a sua mãe poderá responder. DJB, ontem, hoje e para sempre.

O próximo passo? A música, sem dúvida. Caminha agora para as malhas da produção. Dedica-se ao Projeto “Me Suja” e sabe que mais virão. Não tem medo do futuro porque sabe o que o futuro lhe traz: Música e o sorriso da sua mãe… Hoje, um lutador e pai de família, DJB sente-se abençoado. Sabe que os pés que controlaram os seus primeiros passos de dança, quando ainda não sabia andar, irão dar-lhe sempre o apoio que necessita. Na forma de um beijo dos seus filhos, de uma palavra amiga, de uma música… Aqueles mesmos pés ganharam as formas que tiveram que ganhar para ampará-lo. Na melodia da música, a sua protetora abraça-o até o dia em que numa outra vida em que voltará a esticar os braços para abraçá-la, poisar cuidadosamente os pés sobre os dela e girar, naquele mesmo quintal, girar, girar… 

 
 Adelaide Miranda, Setembro 2016
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sábado, 27 de agosto de 2016

A alma por trás de... Carlos Pedro

 
As tardes no bairro da Maianga eram sempre movimentadas depois das aulas. Carlos Pedro e os seus amigos, debaixo do calor abrasador de Angola, com os calções suados e as sandálias cansadas, decidiam qual a equipa que iria começar a atacar no seu jogo favorito: o futebol humano.
- Carlos, vem para cima rapaz, preciso que vás buscar água. – Gritou a sua mãe da janela do sétimo andar.
Desanimado por ter de parar a brincadeira, Carlos, subiu as escadas do prédio, já que o elevador não trabalhava, devido ao corte de energia, para ir buscar o garrafão de água. Esperava-lhe um caminho tortuoso mas sem água canalizada não havia outra forma, teria de carregar o garrafão porque a mãe precisava da água para cozinhar. Enquanto voltava para casa, rezava pelo caminho para que não faltasse gás. As pernas já lhe doíam e as forças começavam a faltar e de maneira alguma conseguiria carregar uma botija.
Quando chegou a casa, já os irmãos faziam confusão na cozinha à espera do jantar enquanto esperavam ansiosos a chegada do irmão mais velho. Sentia-se responsável por eles e tentava sempre ajudar a mãe.
Ainda antes de terminar o jantar a campainha tocou e Carlos foi chamado à porta.
- Carlos, o vizinho vai dar “uma boda se bem” mas o “Dj” faltou, “meu puto”. Queres vir tocar?
- Tocar como, se não há luz?
- Ele tem um gerador.
- Mãe, posso ir para a casa do…
- Eu ouvi, Carlos, podes ir. Vai lá. – Respondeu a mãe antes mesmo de ele terminar a pergunta.
Desceu as escadas a correr e pela noite dentro animou a festa. Para além de passar música, Carlos, tinha o dom de animar os convidados com a sua dinâmica e boa disposição.
Terminado a “boda” e cansado sentou-se à janela a olhar o céu. O avião que passava ao longe fazia-lhe sonhar. Um dia, quem sabe, iria pilotar um avião.
O clima de tensão após a independência de Angola, obrigou Carlos e a família a mudarem-se para Portugal. Com 16 anos, num país estranho, lutou para terminar os estudos e começou a trabalhar na construção civil. O seu espírito lutador e dinâmico permitiu-lhe passar de servente a encarregado de obra.
De Angola, Carlos, levou consigo a humildade, a dinâmica, a capacidade de liderança e a paixão pelo desporto e pela música. Durante o dia os seus tempos livres eram passados a jogar futebol e basquetebol, dos quais chegou a tornar-se federado, e durante a noite a paixão pela música era alimentada acompanhando o disco-jockey Quim nas noites animadas do Sarabanda. Para trás… Para trás ficou o sonho de ser piloto que exigia um nível de estudos que não podia financiar…
Um eterno apaixonado pela vida, Carlos, apaixonou-se perdidamente aos 17 anos pela mulher da sua vida. Apanhado desprevenido pelo destino reencontrou uma antiga colega de escola, dos tempos do liceu em Angola, nas ruas de Santo André! Montado na sua bicicleta cruzou-se com uma colega da adolescência e sentiu que apenas ali, naquele momento, a viu pela primeira vez. O amor, retribuído, gerou frutos e cedo teve de assumir a responsabilidade de marido e pai.
- Carlos, o Guilherme Galiano, da RDP África, está ali para falar contigo. – Gritou o seu gerente enquanto animava a noite no Aiwé.
- Quem? – Perguntou um tanto confuso.
- O Guilherme Galiano…
Aproximou-se do locutor da rádio e meio surpreso recebeu o convite para trabalhar no projecto RDP-ÁFRICA. Recusou o convite, ele lá sabia fazer rádio, e continuou com a sua rotina.
- Carlos, ouve-me, vem ao menos fazer uma experiência, uma hora de animação e depois tomas a tua decisão. – Insistiu Guilherme depois de várias abordagens.
Relutante, aceitou o convite que mudou a sua carreira para sempre. Aquela “uma hora” de animação transformou-se facilmente em 20 anos. Passou de locutor a realizador de programas abençoado pelas noites de disco-jockey no quintal e nas festas familiares em que foi conhecendo as grandes referências do mundo da música africana nos países de expressão portuguesa. Embora não tenha frequentado a faculdade, reconheceu que era detentor do doutoramento de um curso tirado nas ruas de Luanda.
Mais de 20 anos depois de catar água, mais de 20 anos depois de jogar ao berlinde, ao futebol humano, Carlos, descobriu que o seu passado influenciou o seu futuro: no país onde nasceu, nos calções suados e com as sandálias cansadas, sem energia e sem água, tornou-se homem. Nos braços de uma colega de carteira tornou-se pai, nas festas de quintal formou-se em rádio…
Nunca conseguiu ser piloto, mas aprendeu a voar. Nas asas da vida encontrou o seu caminho e marcou a sua posição. Hoje, com três filhos, com uma história de amor e uma história de vida, pilota a produção na rádio que o acolheu e que o viu crescer.
 
 
 
Adelaide Miranda, 27-08-2016
 
O radialista/Dj pode ser contactado através de:
 
 
RDP África
Morada: Av. Marechal Gomes da Costa, nº37
1849-030 Lisboa

Telef: 
+351 217 947 000

Fax: 
00 351 213 820 081
 

sábado, 13 de agosto de 2016

A alma por trás de... Paulo Costa Gonçalves

 
As portas da alfândega fecharam-se. Paulo olhou para trás com um misto de tristeza e insegurança nos olhos. Depois de tantos anos de esforço, a libertação das fronteiras ditou o seu destino. Não havia necessidade para tantos funcionários e com a, praticamente, livre circulação de bens e pessoas perdeu o emprego.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem, estávamos aqui a chorar baba e ranho. – Disse a si mesmo enquanto colocava a sacola às costas. Virou-se, seguiu em frente e nunca mais olhou para trás.
Sentou-se à mesa da cozinha, com vários jornais espalhados e abertos na página dos classificados, e começou a escolher possíveis trabalhos. Seleccionou vários e foi à luta.
Emigrou, trabalhou nas obras, foi comercial... Enfim, fez o que achou necessário para levar o sustento para a sua família. Com o passar dos anos e apesar das dificuldades, sempre lutou contra as adversidades com um sorriso nos lábios.
- Oh Paulo, com tantas reviravoltas e incertezas como consegues estar sempre a sorrir?- Perguntavam os amigos e os mais chegados.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem, estávamos aqui a chorar baba e ranho. – Respondia sempre com um sorriso nos lábios.
Aos 43 anos, decidiu voltar a estudar. Chamaram-no louco, mas ele louco não era. Era sonhador e lutador. Sempre o foi, tanto que terminou a licenciatura em Sociologia e Planeamento com distinção. Ganhou um prémio académico e sem dar conta caiu de paraquedas no departamento de Investigação.
Infelizmente, porque um lutador deve sempre ter adversários para defrontar, Paulo deparou-se com uma doença. Uma vez mais, lutou, esbracejou, seguiu em frente...
- Então Paulo, do que te ris? Com tantos problemas que tens, do que te ris? Estás louco? – Perguntavam os amigos mais chegados.
- Tristezas não pagam dívidas. Se pagassem, estávamos aqui a chorar baba e ranho. – Respondia sempre com um sorriso nos lábios.
Ganhou a luta contra a doença, Paulo era um lutador difícil de derrotar e uma vez mais seguiu a sua vida, com sorriso característico nos lábios. Afinal, os desafios que encontrou pela frente apenas serviram para torná-lo mais forte. Ultrapassada a doença e de volta a rotina, Paulo procurou um novo desafio. Com gotas de suor a escorrerem pela fronte, lutou com o computador em busca de uma palavra passe. Lembrou-se do blogue que tinha iniciado anos antes de adoecer, mas não conseguia aceder. Fez mil tentativas, e quando já estava prestes a desistir lembrou-se da sua marca de tabaco favorita, a Amberliz, que começou a enrolar no tempo das poupanças, e como que num acto de magia, qual Gruta do Ali Babá, acedeu ao blogue.
Os primeiros capítulos do Herdeiro de Antioquia lá estavam e, finalmente voltou a escrever. Escrevia nos seus tempos livres, no meio das suas batalhas, e lentamente o livro ganhou forma. Ganhou coragem para publicar e surpreendeu-se com a receptividade. Afinal, o Paulo, sociólogo e investigador, era também escritor.
Por vezes, olhando as estrelas, relembrava a sua vida, as batalhas travadas e vencidas. Apesar de nem sempre ter tomado as decisões corretas, não tinha arrependimentos. A sua vida era o que era e todos os momentos que viveu e decisões que tomou tornaram-no quem era e levaram-no precisamente àquele lugar. Uma a uma, lembrava-se de todas as pessoas que tinham até então passado em sua vida e sorria com carinho ao recordar algumas que manteve em segredo. A descrição valeu-lhe mil aventuras vividas, mas nunca contadas.
A dimensão do céu, trazia-lhe sempre a certeza de que o mundo era incerto. Não sabia que luta o esperava no futuro, mas isso não o deixava inquieto. Viesse o que viesse iria defrontar destemidamente como sempre o tinha feito. Afinal de contas, tristezas não pagam dívidas e se pagassem...

 
 
Adelaide Miranda, 13/08/2016
 
Contacto para entrevistas e encomenda de exemplares:

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A alma por trás de... Lancelot


 - Lancelot! Lancelot! Lança! – Gritavam todos em uníssono no pavilhão. – Lança, Lancelot! Agora!
No momento em que soltou a bola, Lancelot, teve a certeza que ia acertar. Observou o seu trajeto em câmara lenta e parou de respirar por uns momentos enquanto estava na expectativa de marcar o cesto. Assim que a rede adaptou-se à invasão forçada, o marcador aumentou dois pontos e o relógio soou o final da partida, o público levantou-se e festejou a vitória… A sua vitória… Se existia uma certeza na sua vida, essa certeza era o basquetebol, nunca conseguiu exprimir o que sentia quando tinha uma bola na mão, aquela emoção que aperta o coração ao mesmo tempo que o torna acelerado… Era difícil de explicar.
- Desculpe? Pode dar-me o lugar, por favor? – Perguntou uma senhora com vários sacos na mão.
- Com certeza. Sente-se. – Afastou-se e encostou-se à porta do metro. Sempre que estava em compasso de espera a sua mente tinha a tendência de transportá-lo para aquele último jogo, fazia-o sempre reviver aquele cesto marcado no final da partida. Não se podia queixar, estas viagens permitiam que o seu corpo sentisse as emoções passadas, dando-lhe a força necessária para viver o presente e planear para o futuro. Desde cedo que o basquetebol tornou-se a sua vida mas a realidade é que nem sempre aquilo que nos define consegue garantir a nossa subsistência na sociedade actual. A força que permitiu que Lancelot seguisse um caminho diferente, longe de conflitos, e crescer como homem, tornou-se insuficiente para sustentar as obrigações monetárias. Jogar? Sim, sempre, por prazer.
Quando chegou a altura de procurar opções de subsistência o destino tramou-o. O eterno cavaleiro da Távola Redonda foi abraçado por outra paixão que o consumia. A paixão que ganhou pelas lendas arturianas, os famosos cavaleiros e a mítica Excalibur, durante os seus anos no colégio francês, tornou-o um homem de letras. Sempre que se via com uma caneta na mão escrevia pequenas músicas que guardava para si, pois sentia que não tinha muito ainda para partilhar. Na altura, era novo, a sua única experiência era o basquetebol e sentia que não tinha muito mais para dar. Pensou em tirar Direito Cívico, ingressar na faculdade como a maioria dos jovens e seguir uma vida denominada “normal”. Mas o destino tramou-o. Sem estar à espera viu-se numa batalha de “Freestyle” e sentiu a necessidade de ganhar. Apegou-se ao desafio e prometeu voltar. Fechou-se um mês em casa e voltou para derrubar os outros concorrentes. Um a um foram ficando para trás, até que no final apenas Lancelot estava de pé. O cavaleiro tinha conquistado mais uma vitória.
E assim o hip-hop escolheu-o. Como que um verdadeiro cavaleiro foi escolhido para defender o hip-hop português numa altura em que este estilo de música começava a ganhar raízes em Portugal. “Lancelot, o Pioneiro”. Um dia quem sabe alguém se lembraria dele assim. Durante anos fez música, durante anos viveu da música, durante anos foi feliz com a música a tempo inteiro e o basquetebol nos tempos livres. Quem ouviu hip-hop em Portugal sabe quem é o Lancelot…
O destino, seu fiel amigo, bateu-lhe à porta uma vez mais. Enquanto esteve sozinho a música e o seu modo de vida eram suficientes para fazê-lo feliz, mas quando se ama… Quando formou uma família deixou de ser suficiente. Andar de um lado para o outro em concertos, dormir em parte incerta, já não era aceitável. Não para um coração de pai. “Lancelot, o Pioneiro”, tornou-se “Lancelot, o Pai”. O defensor e protector da sua família. Arranjou um trabalho das nove às cinco, como a maioria da população, e por um tempo deixou de escrever. Por um tempo esqueceu-se da música e viveu como “Lancelot, o Pai”. A insatisfação, que sempre sentiu injusta, indevida, foi pouco a pouco tomando conta de si sem saber o porquê. Um dia, um belo dia, numa reunião escolar o seu filho disse com orgulho aos professores:
- O meu pai faz música. – Sorriu e abraçou-se ao pai.
Nesse mesmo dia, Lancelot chegou a casa, pegou numa caneta e escreveu. Escreveu até não poder mais. As letras fluiram como que as águas correntes de uma barragem e a insatisfação foi-se dissipando com cada música finalizada. Era a peça que lhe faltava. Não precisava de se anular, não era pior pai por voltar a escrever e a cantar. Não era pior pai por seguir o seu sonho. Era um pai melhor se assim o fizesse e mostrasse à sua família que nunca se deve desistir do que queremos desde que nunca nos esqueçamos das responsabilidades. Lembrou-se de quem era... O seu nome era Otoniel, uma figura biblíca e um defensor de Deus. “Otoniel, o Leão de Deus”, assim era o significado do seu nome. Nasceu para ser defensor, defensor dos seus princípios, defensor dos seus sonhos, defensor da sua família, defensor de si próprio.
No meio de tanta divagação, Otoniel, por pouco passou a sua paragem. Saíu a correr do metro, mesmo em cima do alarme de fecho de portas, e dirigiu-se para a saída. Tinha de ir para o estúdio gravar o álbum que estava quase pronto. “Lancelot, o Pioneiro” estava finalmente de volta. Na mala, carregava o equipamento de basquetebol e o seu bloco de notas. Depois do estúdio tinha de ir jogar, meia horinha para tirar o stress. Assim que entrou no estúdio recebeu uma mensagem no telemóvel:
- Faz uma música que ninguém consiga esquecer, papá.
Sorriu... Finalmente sabia para o que vinha. O eterno cavaleiro e defensor da sua própria Távola Redonda, “Lancelot, o Leão de Deus”.







Adelaide Miranda, 09/08/2016
O músico está disponível para contacto:

insta: @lancel0t_odc
facebook: https://www.facebook.com/lancelot_odc